quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Artistas e intelectuais repetem um palanque como o de 1989


BLOG CARTA MAIOR - Matéria da Editoria: Política - 20/10/2010
É provável que um palco tão amplo e representativo do mundo da cultura no Brasil só tenha paralelo com a rede de apoiadores da campanha Lula de 1989. Quase duas mil pessoas lotaram platéia, corredores, mezaninos, hall de entrada e a calçada da casa de espetáculos, enquanto uma chuva intermitente desabava sobre a cidade. No palco, entre outros, estavam Oscar Niemeyer, Chico Buarque, Rosemary, Alcione, Ziraldo, Fernando Morais, Elba Ramalho, Renato Borgehetti, Yamandu Costa, Hugo Carvana, Leci Brandão, Alceu Valença, Paulo Betti, Marco Aurélio Garcia, Chico César, João Pedro Stédile, Antonio Grassi, Sergio Mamberti e muitos outros. O artigo é de Gilberto Maringoni.  
Gilberto Maringoni - Data: 19/10/2010  

Chico Buarque avisou que não falaria. Brincava: viera como papagaio de pirata ao ato de apoio de artistas e intelectuais à candidatura de Dilma Rousseff, no teatro Casa Grande, Rio de Janeiro, na noite de segunda (18). Mas acabou caindo em uma provocação de Leonardo Boff e fez um brevíssimo discurso, que já está em todos os sáites, blogues e tuíteres pela rede:  “Venho aqui reiterar meu apoio entusiasmado à campanha da Dilma, essa mulher de fibra, que já passou por tudo, não tem medo de nada. Vai herdar o senso de justiça social, um marco do governo Lula, um governo que não corteja os poderosos de sempre, não despreza os sem-terra, os professores e os garis”. 
Emendou com um parágrafo: “A forma de Lula governar é diferente. O Brasil que queremos não fala fino com Washington e nem grosso com Bolívia e Paraguai. Por isso, é ouvido e respeitado no mundo todo”.
E brincou: “Nunca antes na História desse país houve algo assim".
Aplausos, risos e charangas. “É Dilma, é Dilma sim/ porque eu não penso só em mim!”
FINAL DE CAMPEONATO
O clima era de final de campeonato, com bandeiras e agitação, como há muito as campanhas não exibiam.
É provável que um palco tão amplo e representativo do mundo da cultura no Brasil só tenha paralelo com a rede de apoiadores da campanha Lula de 1989. Quase duas mil pessoas lotaram platéia, corredores, mezaninos, hall de entrada e a calçada da casa de espetáculos, enquanto uma chuva intermitente desabava sobre a cidade. No palco, entre outros, estavam Oscar Niemeyer, Chico Buarque, Rosemary, Alcione, Ziraldo, Fernando Morais, Elba Ramalho, Renato Borgehetti, Yamandu Costa, Hugo Carvana, Leci Brandão, Alceu Valença, Paulo Betti, Marco Aurélio Garcia, Chico César, João Pedro Stédile, Antonio Grassi, Sergio Mamberti e muitos outros.
O sociólogo Emir Sader, um dos organizadores, sintetizou: “Este é um ato daqueles que votaram e apoiaram diferentes candidatos no primeiro turno e que se reúnem para defender conquistas. O outro lado representa o caminho do obscurantismo”. 
Para a professora de Filosofia Marilena Chauí, aquela era uma sagração da democracia. Do alto da tribuna, puxou da bolsa o panfleto da campanha José Serra, no qual estava escrito “Jesus é a verdade e a fé”. Sem titubear, emendou: “Este folheto é obsceno; obsceno religiosa e politicamente. Ele ataca o núcleo da democracia republicana, que é o Estado laico”. Em meio a aplausos, finalizou: “A minha geração viu um negro na presidência da África do Sul, um índio na presidência da Bolívia, um negro presidente dos Estados Unidos, um operário dirigindo o Brasil e verá uma mulher presidir o nosso país”.
MOTIVAÇÕES
Uma das grandes motivações do ato foi a ofensiva midiática fundamentalista que tomou conta da reta final da campanha eleitoral, aproveitando-se de erros e tropeços da candidatura Dilma. De uma disputa que aparentava ser um passeio para o governo, existe agora uma batalha voto a voto, que toma conta de setores de esquerda e mesmo daqueles que se desiludiram com a ação oficial e saíram em busca de uma terceira via no primeiro turno.
No Casa Grande, a convergência era o tom. Lia de Itamaracá levantou a platéia ao entoar “Essa ciranda quem me deu foi Lia, que mora na ilha de Itamaracá”. Não era um ato propriamente, era uma celebração.
Aproveitando o clima, Beth Carvalho parodiou o sucesso de Zeca Pagodinho, cantando: “Deixa a Dilma me levar/ Dilma leva eu, Dilma leva eu (...)/ Sou feliz e agradeço/ Por tudo o que você me fez”.
Leonardo Boff era talvez a expressão maior do caráter plural do ato. Apoiador de Marina Silva, ele optou por Dilma no segundo turno e pronunciou um emocionado discurso de 25 minutos. “Se com Lula, a esperança venceu o medo”, lembrou, “com Dilma, a verdade vai vencer a mentira”. Para Boff, esta eleição é mais do que o confronto entre dois candidatos, representa o confronto entre duas idéias de Brasil. “Se a oposição ganhar, teremos imensos retrocessos”. E com palavras duras, sintetizou o clima do país: “O que as classes dominantes não permitem é que um filho da pobreza, um peão como Lula, chegue à presidência. Gostariam que Lula ficasse na fábrica, produzindo para eles”.

Antes da fala de Dilma, foi lido o poema Os filhos da paixão, de Pedro Tierra, sob silêncio absoluto. Um de seus trechos diz:
“Queremos um país onde não se matem as crianças/ que escaparam do frio, da fome, da cola de sapateiro./ Onde os filhos da margem tenham direito à terra,/ ao trabalho, ao pão, ao canto, à dança,/ às histórias que povoam nossa imaginação, às raízes da nossa alegria”.
DILMA FALA
O cenário estava pronto. Anunciada como futura Presidente da República Federativa do Brasil, Dilma falou por 37 minutos. Para quem a viu nervosa e tensa no dia anterior, no debate da Rede TV!, ali estava outra pessoa. À vontade, com a palavra fluindo fácil, a candidata percorreu temas complexos, como política energética, relações internacionais, alocação de recursos, papel do Estado, educação, cultura, saúde e outros com desenvoltura.

Começou falando: “Vejo aqui um pedaço de minha vida. As músicas de minha juventude, os livros que li em vários tempos. Vejo aqui muitos que lutaram em décadas antigas”. Lembrou dos anos iniciais de sua militância, da prisão e das opções feitas. “Comecei a sonhar nos anos 1960. Era um sonho de um Brasil que tinha de mudar, um Brasil que tinha de ser diferente. Sonhamos revoluções e aprendemos a perder. Quem perde adquire uma imensa capacidade de resistir. Eu me formei na vida política perdendo. Tenho muito orgulho de minhas derrotas. Foram derrotas de uma vida correta”.

A certa altura, voltou-se para temas concretos. Lembrou mais uma vez que o governo FHC queria mudar o nome da Petrobras para Petrobrax. Esmiuçou os modelos de exploração da riqueza subterrânea. “O governo passado preferiu um modelo conhecido como concessão. Quem encontrasse o óleo, era seu dono. Manter o modelo anterior significa privatizar o pré-sal!”

Ao mencionar a importância do desenvolvimento, recuperou uma idéia cara aos economistas heterodoxos: “Nós mudamos alguns tabus. O principal deles é de que o país não poderia crescer distribuindo renda. Hoje isso parece óbvio, mas nunca foi óbvio. Por trás desse tabu está uma visão mercantil do Brasil. Uma visão que incorpora uma parte da população nos benefícios da modernidade e pouco se importa com a outra parte”. Para ela, esta é a distinção entre sua candidatura e a dos adversários. “Não podemos aplicar no Brasil teorias de outros países que nem mesmo eles aplicam em casa”.

Ao desenhar o futuro do Brasil, Dilma afirmou: “Nós seremos uma nação desenvolvida. Mas não queremos ser os Estados Unidos da América do Sul, onde uma grande parte da população negra está na cadeia e uma parte da população branca pobre mora em trailers e não tem acesso às condições fundamentais de sobrevivência digna. Por isso nós somos hoje respeitados no mundo. E vamos ser mais, pois ninguém respeita um país que deixa parte de seu povo na miséria”.

No fim do ato, a chuva havia parado. Apesar do entusiasmo, todos ali sabem de uma coisa: ainda há ainda muita campanha pela frente até 31 de outubro.

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